A Pedrada e o
Palavrão
O menino mal diz papá e mamã e já sabe um palavrão.
Ensinou-lhe o pai ou o padrinho e tem imensa piada. Piada porque é inocente o
modo como o menino fala. Piada porque é bem visível como a criança é
inteligente e esperta. Piada até, porque uma palavra assim tão bem dita, tão
bem soletrada, tão redondamente
pronunciada com todos os éfes e érres até nem parece aquilo que é – uma
asneira valente, um grosseirismo pesado.
Porém o menino cresce, e aquilo
que ele dizia e chamava a todos, começa a tornar-se incómodo. É aí que o pai
vai avisando: “ o menino não diz isso, ouviu?” e a mãe que tem a mão mais leve,
dá-lhe com força uma sapatada.
O menino chora, é evidente. Não
tanto pela dor da palmada que levou, como por não perceber o que terá feito de
mal. Antes, quando chamava aqueles nomes ao pai, ao padrinho, ou ao vizinho,
todos se punham lhe achavam graça e o encorajavam a repetir. Hoje, quando as
diz, todos lhe ralham e algumas vezes a mãe bate. Porquê?
Será que já não tenho piada?
pergunta-se o menino. Será que já ninguém gosta de mim? Será que não digo as
palavras tão bem, tal como antes as dizia?
E com todas as dúvidas que tem, o
menino torna, embora muito a medo, a pronunciar a asneira. E apanha novamente e
novamente também ralham com ele. E agora é o pai, a mãe, o padrinho, o avô e a
avó. O menino está aflito: não sabe que mal terá feito ao mundo para todos
estarem contra ele.
Fazer o quê, afinal?
Temos um outro caso: o menino
aprendeu na rua, ou na creche, uma daquelas palavras que não devem ser dita. E
achando-a bonita, não se contém que não chame mãe por ela: “Mamã, tu és uma …”
e a mãe, sem tempo para mais nada, dá-lhe um estalo e ralha com ele.
Porque lhe terá ralhado a mãe, se
a palavra é tão linda que ele até veio todo o caminho a dizê-la para a não
esquecer? Porque terá ralhado a mãe se quem lhe ensinou foi o Toninho que é um
amigo tão bom, e o João e o Manuel, todos eles até dizem a palavra e ninguém
lhes bate?
Que vou fazer, afinal?
É simples: não ensine, nem deixe
ensinar asneiras à criança. Não ache piada nem repreenda quando ela diga uma.
Faça de conta que não ouviu. Por vezes a criança diz como quem experimenta,
para saber o que significa, se está bem ou mal. A criança é curiosa por
natureza, e se você diz: “não digas”, quer naturalmente saber porquê e sabendo
que a palavra é feia pode guardá-la no seu arsenal de violências. Um dia, quando
menos se espera ela sai. É preferível deixá-la esquecer…
Ninguém pensa que a criança não aprenda esta e outras
asneiras mais tarde, mas aí, sendo mais crescida, entenderá melhor porque não
deve dizê-las.
Não tenha medo de dizer a quem a rodeia que não ensinem tais palavras ao miúdo.
Palavrão ensinado hoje, é palmada apanhada desnecessariamente amanhã e se julga
que tudo fica por aí é engano.
A criança, como já lhe dissemos não entende o porquê do seu castigo, fica
inquieta durante dias e o que é mais
grave guarda consigo ( e sem saber) um trauma de injustiça que pode acompanhá-la por toda a vida. Complexo
de não entender o que os outros querem dela. Medo de expor o que pensa,
preferindo ir atrás da opinião dos outros que expor a sua própria.
O que por vezes estraga a criança é a vaidade dos pais: querem-nas mostrar mais
inteligentes que as outras, mais graciosas que as demais, mais bonitas, mais
vivas, mais cheias de qualquer coisa que nenhuma outra tenha.
E assim, como o menino já dance, já fale, já seja muito engraçado de seu
natural, fazem dele um papagaio e ensinam-lhe uma asneira.
Você não pode dar aos outros o direito de estragar a educação dos seus filhos
ou de lhe criar problemas mais ou menos graves de ordem psicológica. De
qualquer modo a asneira é feia, é agressiva, é usada quase sempre em casos de
violência. É, digamos, a pedra da palavra que atiramos às janelas de vidro dos
nossos inimigos.
E tal como você não deixa que ensinem o seu filho a partir os vidros das
janelas dos outros, assim também não deve permitir que lhe ensinem a violentar
os ouvidos de cada um.
Darío
de Melo