O  T R A B A L H O


Isso de escrever  para entreter o tempo, é bem  sinal de que não há nada para fazer.. Longe vão os anos em que havia quem se gabasse de que não podia estar sem fazer nada. “Quando não há trabalho, invento-o”, diziam eles. O que bem vistas as coisas, significava que o trabalho não  era tratado como uma ocupação de esforço, suor e sacrifício, mas como uma necessidade física de “meximento”, uma espécie de desporto que, por isso mesmo, passaria à categoria de divertimento. Seria um pouco assim, como quem embora trabalhando, dançasse, ou jogasse  ténis para se entreter.

Ora, é mais do que evidente, que só se diverte quem não tem mais que fazer. Só se diverte quem, pelo menos no momento, não trabalha. Pelo que se infere que ninguém inventaria trabalho, se tivesse algum trabalho para fazer.

Fica assim  dito e demonstrado que o trabalho só surge, a obrigação de trabalhar só aparece, porque houve muito tempo sem fazer nada  para pensar nele e, o que é pior,   inventá-lo.

O trabalho em si não é mau, quando feito pelos outros.
O trabalho em si dignifica, quando alguém se sinta carecido de dignidade que, francamente, não se sabe bem o que seja nos dias de hoje.
O trabalho em si  é ainda uma saudável ocupação que faz encolher barrigas ( o trabalho físico)  e  convulsionar  neurónios ( aquele outro trabalho que raramente se acredita que seja - o intelectual ).

Porém, e disso ninguém  se deve esquecer, o trabalho é  consequência do pecado, é a sentença que a humanidade expia por um crime que não praticou, por uma maçã que não comeu, por um fruto que só Adão trincou, por uma tentação que só Eva sentiu.

Por isso, ai dos que gostam de trabalhar ! Ai dos que inventam trabalho ! Ai  de todos os que insistem e persistem em perpetuar pelo trabalho, a memória de um  acto ruim e condenado.

Bem hajam os que nada fazem ! Os que dormem. Os que descansam porque nunca se sentiram cansados. Os eternos dormidores que passam a vida a sonhar com novos e mais descansados descansos. Os puros de coração que, porque dormem e não trabalham e não trabalhando não pecam. Os quietos de corpo que relaxam para não sentirem a tentação de trabalhar. Os doidos porque se desimportam da vida que anda acordada numa outra dimensão. Os ricos porque  se não sobressaltam, nem têm necessidade de trabalhar.. Os bêbados porque se anestesiam e não sentem

Bem haja eu também, porque trabalhando nesta crónica que devia dizer alguma coisa, consegui  chegar ao fim, falando sem dizer nada.


Dario de Melo